Sempre que uma empresa, uma instituição ou um político não cumpre as promessas ou não vive de acordo com os valores que proclama, fomenta a desilusão e a desconfiança, contribuindo para a desagregação social e para fenómenos como o populismo. A confiança é o cimento da coesão social e, por isso, de qualquer projeto político – seja ele global ou local. Sem confiança, nunca estaremos dispostos a abdicar dos nossos interesses em prol dos outros ou do futuro. Sem confiança, ninguém se entrega a causas ou a sacrifícios, delapida-se o capital social.
Num momento crítico para atingirmos alguns dos objetivos críticos para o futuro da Humanidade previstos na Agenda 2030 das Nações Unidas – entre os quais, combater as alterações climáticas, restaurar os ecossistemas e melhorar a coesão social –, nada poderia ser mais nocivo do que o atual estado de descrença e apatia coletivas, em grande medida devido a contradições absurdas, que geram frustração e desânimo. Vejamos alguns exemplos.
Em 2022, em plena emergência climática e muito aquém de estarmos a cumprir as metas de descarbonização do Acordo de Paris, as empresas de combustíveis fósseis registaram lucros recorde e fugas incompreensíveis. Num contexto em que precisamos de reduzir as emissões globais em 45%, até 2030, mas em que atualmente se prevê um aumento destas de 15%, ou esses lucros são investidos na transição energética ou devem ser fortemente taxados. Caso contrário, acentuarão ainda mais o sentimento de absurdo coletivo. Em Portugal, passado um ano de Lei de Bases do Clima, há uma série de iniciativas públicas ainda por tomar para que esta saia do papel. O mínimo seria podermos consultar online o progresso dos indicadores-chave.
Quanto à preservação da biodiversidade, e apesar dos discursos, conferências e boas intenções, 2022 foi também um ano de contradições. Por exemplo, é necessário assegurar a circularidade das nossas economias, porém, segundo o último Circularity Gap Report, a economia global é cada vez menos circular. Em 2022, foi apenas 7,2% circular – menos do que em 2021 e muito longe dos 100% da natureza. Em Portugal, é desconcertante assistir à predação imobiliária em zonas protegidas, cujos frágeis ecossistemas são críticos para a preservação da biodiversidade e da qualidade de vida. Por exemplo, há tanto a fazer no Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina e ao nível da redução dos plásticos, mas tão poucas ideias e determinação.
Também na dimensão social várias perplexidades se agravaram em 2022. Por exemplo, o custo de vida aumentou, houve intervenções públicas para travar o fenómeno, porém a tendência mantém-se. O último Global Risks Report do World Economic Forum e o mais recente relatório da Oxfam são muito claros quanto ao agravamento e aos riscos decorrentes das desigualdades sociais. Não se compreende que, em 2022, 95 empresas de alimentação e energia tenham feito mais de 300 mil milhões de dólares em lucros recorde e 800 milhões de pessoas continuem a passar fome.
Já no que toca a Portugal, o Governo queixa-se da falta de meios para o reforço das respostas sociais, nomeadamente, na habitação, na educação e na saúde, mas nos últimos anos investiram-se mais de 7 mil milhões de euros no BES/Novo Banco e mais de 3 mil milhões de euros na TAP. Tudo somado, é outro Plano de Recuperação e Resiliência, porém este investido apenas em duas empresas. E como se não chegasse, somos bombardeados com casos e casinhos no Governo, que parecem confirmar a ideia de que a prioridade não é governar o país, mas sim o PS. E, por último, de uma instituição – a Igreja – da qual se esperava que fundasse a sua ação na poesia e na beleza, chega-nos um relatório dilacerante.
São demasiadas contradições, demasiada distância entre parecer e ser, demasiado greenwashing, rainbowwashing, jesuswashing, etcwashing. Dá vontade de morrer por um bocadinho – sempre seria mais humano. Porém, e como diz o poema, obrigam-nos a viver até à morte. Só nos resta, pois, a luta – e a pista do Lux!
in Visão Verde