No meio do caminho para 2030

visão verde

No meio do caminho desta vida

me vi perdido numa selva escura,

solitário, sem sol e sem saída.

Dante, Divina Comédia, Canto I

 

Estamos neste momento precisamente a meio do período de 15 anos estabelecido para se alcançarem os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 das Nações Unidas. Aprovados, em 2015, na Assembleia-geral das Nações Unidas, os 17 ODS concretizam-se através de 169 metas, agrupáveis em torno de 5 Ps vitais para a sustentabilidade de qualquer modelo de desenvolvimento: Prosperidade, Pessoas, Planeta, Paz e Parcerias. A Agenda 2030 é um desafio para os Estados, mas também para o setor privado e a sociedade civil. Alcançar os 17 ODS asseguraria um mundo equilibrado e sustentável, tanto a nível social, como ambiental.

Não será por falta de riqueza, conhecimento científico-tecnológico ou criatividade que não atingiremos os 17 ODS, ainda que estes coloquem vários desafios. Alguns tendem mesmo a ser contraditórios entre si. Por exemplo, prosperidade ou crescimento económico muitas vezes implica desequilíbrios nos ecossistemas do planeta, poluição e emissão de gases com efeito de estufa (GEE). Por outro lado, as metas em que se materializam os ODS tendem a ser dinâmicas, instáveis, e dependentes de variáveis contextuais difíceis de controlar. A pandemia COVID-19 e a invasão da Ucrânia foram dois acontecimentos imprevisíveis com impactes negativos em aspetos como a pobreza, o desemprego e a segurança alimentar e energética. Infelizmente, muitas vezes hipotecamos os ODS, a agenda do futuro, ao caos mediático e urgente do presente.

Entre 2015 e 2019, o progresso mundial na concretização dos 17 ODS foi de 0,5% ao ano – um ritmo insuficiente para os atingirmos até 2030, mas um sinal de esperança. Contudo, essa tendência foi interrompida nos últimos dois anos. Em 2020 e 2021 não se registaram progressos, sobretudo devido à performance negativa dos países em desenvolvimento – sem os quais jamais seremos bem-sucedidos.

A ONU monitoriza o progresso dos países ao nível dos ODS através do SDG Index & Monitoring. Dos 163 que figuram nesse ranking, o mais bem classificado é a Finlândia. Portugal ocupa a posição 20. Desde 2015, o nosso overall score passou de 76,6% para 79,2%. Estamos longe de atingir os 17 ODS (score 100%), mas mais preocupante é o facto de o nosso grau de compromisso ser classificado como baixo – ao contrário de outros países da UE, cujo nível de compromisso é considerado elevado ou moderado. Temos, então, de melhorar o nosso grau de compromisso, bem como a performance nos ODS 12 – Produção e Consumo Sustentáveis, 14 – Proteger a Vida Marinha e 17 – Parcerias para a Implementação dos ODS.

Muitas vezes negligenciado, o tema das parcerias (ODS 17) é decisivo. Como diz o ditado africano: “Se quer ir rápido, vá sozinho. Se quer ir longe, vá acompanhado.” Um dos maiores desafios da transição para a sustentabilidade é que para esta ser bem-sucedida não poderá deixar ninguém para trás e terá de respeitar os princípios – incluindo as limitações – da democracia. Muito recentemente, o primeiro-ministro do Sri Lanka viu-se forçado a abandonar o cargo abruptamente devido às consequências de uma medida que tomou com vista à proteção dos solos do país – a proibição do uso massivo de pesticidas e herbicidas. Ora, essa medida – louvável do ponto de vista ambiental – provocou uma diminuição da produtividade agrícola e, por essa via, do rendimento das pessoas – o que agravou os índices de pobreza e exclusão, levando à revolta social.

A complexa Agenda 2030 já só tem sete anos e meio para se tornar realidade. Os ODS parecem, assim, cada vez mais difíceis de alcançar. Só no que diz respeito à emissão de GEE, teríamos de ser capazes de uma redução de 45% até 2030 – sendo que, neste momento, estima-se um aumento de 14%. Esse gap de 59% nas emissões é um desafio gigante. Em síntese, a meio do seu caminho, a Agenda 2030 é cada vez mais uma utopia. Mas que isso não nos desanime – precisamos de utopias. Trabalhemos, pois, com a convicção de que será possível alcançar os 17 ODS até 2030, sabendo que Dante conseguiu chegar ao céu – e também não foi fácil.

 

in Visão Verde