Façamos da crise uma oportunidade para a sustentabilidade

Sustentabilidade

A COVID-19 é a segunda grande crise mundial nos últimos dez anos e, muito provavelmente, será a maior desde a Segunda Guerra Mundial. A primeira crise dos últimos dez anos, conhecida por “subprime”, ocorreu em 2008-11, deveu-se a práticas dos sistemas económico-financeiros e teve a sua génese nos EUA; já a atual, teve origem na natureza, num vírus, e génese na China. Apesar de distintas, ambas as crises têm em comum a atividade humana. No caso da COVID-19, é importante lembrar o consenso científico de que as zoonoses se devem em grande medida à ação humana – invasiva e predatória – sobre a natureza, que elas não são um fenómeno da natureza incontrolável – como são, por exemplo, um tsunami ou um vulcão.

Na crise de 2008-11, os governos e instituições reagiram concentrando-se na recapitalização rápida das economias e na sobrevivência do sistema financeiro. Na Europa, um dos principais mecanismos utilizados foi o “quantitative easing”, através do qual o Banco Central Europeu injetou no sistema a liquidez necessária para a manutenção do investimento, do crédito e do consumo. Apesar de pouco mencionado, a Reserva Federal dos Estados Unidos também deu uma ajuda – a uma Europa que, a dado momento, se perdeu a debater questões morais relacionadas com as dívidas públicas dos países do sul – as quais foram mais consequência do que causa da crise.

Hoje, passados dez anos, não só a crise é diferente – nas causas e nas consequências –, como há uma nova consciência global sobre a urgência de assegurar a sustentabilidade (social e ambiental) do nosso modelo de desenvolvimento, de modo a não colocarmos em sério risco o Planeta, as democracias liberais e a qualidade de vida das futuras gerações.

Entre uma e outra crise, em 2015, foram assinados dois compromissos globais, que desde então têm sido adotados por governos e empresas de todo o mundo – os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, da Agenda 2030 das Nações Unidas, e o Acordo de Paris. Adicionalmente, em 2019, a nova Comissão Europeia propôs um novo compromisso para a década – o European Green Deal –, o qual deverá envolver um investimento de cerca de um bilião de euros até 2030.

Em síntese, não só as duas crises são diferentes, como o mundo acelerou o seu ritmo de mudança no últimos dez anos. Assim, a resposta à atual crise tem de ser diferente da resposta anterior. Ela deverá envolver uma dimensão económico-social de curto prazo, mas desta vez exige-se algo com maior escala e propósito. Ou seja, para além de lidar com a contração económica e o desemprego, revitalizando o consumo, a produção, o investimento, o comércio e o fluxo de capitais, desta vez é necessário acelerar a transição para um mundo socialmente mais coeso, neutro em carbono, e que garanta a preservação dos ecossistemas e dos equilíbrios fundamentais da biosfera.

Na resposta à crise anterior, reviram-se as regras de funcionamento dos sistemas financeiros e muitas empresas ajustaram as suas estratégias – por exemplo, no caso de Portugal, muitas fizeram a transição para os mercados de exportação, tendo o valor das vendas ao exterior passado de 30% do PIB, um valor que se mantinha desde a adesão à CEE, para 44% do PIB, em 2019. Desta vez, não basta tornar o sistema económico-financeiro e as empresas mais robustos. Impõem-se acelerar a transição para um modelo de desenvolvimento sustentável e resiliente, convergente com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas.

Sabe-se que o programa de recuperação da UE deverá passar pela flexibilização dos critérios do Pacto de Estabilidade e Crescimento e pelo reforço dos instrumentos financeiros europeus – o Mecanismo de Estabilidade Europeu e o Banco Europeu de Investimento. A estes, acrescentou-se um Fundo de Recuperação Económica, que deverá ter um montante de cerca de 1,5 biliões de euros e cuja dívida será emitida pela União Europeia (o que ainda não se sabe é se esse capital será entregue aos países a título de empréstimo ou de subsídio). Ao capital público disponível, acresce o capital privado – o das empresas e o dos fundos de investimento. Segundo a Preqin, só em fundos de private equity havia 1,5 biliões de dólares disponíveis para investimento no final de 2019.

Uma vez que há capital, o desafio que se coloca é então assegurar a sua alocação responsável e inteligente, de modo a que a estratégia de resposta à crise não seja apenas eficaz no curto prazo, mas transformadora no médio-longo prazo. Neste contexto, é fundamental que quaisquer planos de recuperação sejam convergentes com os 10 pilares do European Green Deal, que quaisquer apoios a dar aos países e às empresas adotem critérios ESG (environmental, social & governance) na sua alocação, e que eventuais medidas de estímulo ao consumo tenham em consideração a necessidade de redução dos níveis atuais e a urgência de se darem incentivos e melhores opções aos consumidores, para que estes possam ser mais responsáveis nas suas escolhas.

Em conclusão, é fundamental aproveitar este tempo para construirmos um futuro mais resiliente, assente numa sociedade mais coesa e sustentável. Esta é a altura certa para, num contexto cada vez mais complexo e interdependente, construirmos um novo caminho em conjunto. Façamos da crise uma oportunidade para a sustentabilidade!

João Wengorovius Meneses