A 26.ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP26), que acaba de ter lugar em Glasgow, deixa o Acordo de Paris à beira do abismo. Em linhas gerais, vejamos quais foram os aspetos positivos e negativos da COP26.
Aspetos positivos:
- Ao contrário das últimas COP, nesta chegou-se a um acordo entre as partes, isto é, a uma declaração final, consensualizada entre todos os países signatários do Acordo de Paris, denominada Pacto Climático de Glasgow. Nela, reconhece-se a importância da ciência, da natureza, dos povos indígenas, de aumentar o financiamento para a ação climática, e de acelerar os cortes de emissões, isto é, as contribuições nacionais voluntárias (NDC) dos países, as quais devem passar a ser revistas anualmente. Pela primeira vez, surge uma referência explícita aos combustíveis fósseis na declaração final e fica expressa a ambição 1,5 ⁰C – o que representa uma evolução positiva face ao próprio Acordo de Paris, onde ainda se considera 2 ⁰C como limite máximo admissível para o aumento médio da temperatura global;
- Paralelamente, foram também assinados vários acordos setoriais entre diversos países, relacionados, nomeadamente, com as emissões de metano, os automóveis elétricos, o uso do carvão, o financiamento aos países em desenvolvimento e a deflorestação. Ou seja, citando Boris Johnson, alcançaram-se compromissos importantes relativamente a “carros, carvão, dinheiro e árvores”;
- Finalmente, ao fim de seis anos, concluiu-se o livro de regras do Acordo de Paris, com a regulamentação do artigo 6 sobre mercados de carbono;
- Mesmo com as restrições Covid-19, esta foi a COP mais movimentada de sempre, o que reflete uma maior consciência e urgência global. Aliás, essa maior adesão não só se sentiu no recinto da conferência, como fora dele – o off-COP e o after-COP nunca foram tão intensos.
Aspetos negativos:
- As questões e interesses económicos continuam a ser o elefante na sala. Enquanto participei na COP, ouvi falar tanto de clima, como do recente aumento do custo das energias fósseis, das matérias-primas e dos transportes das cadeias de abastecimento globais. Ou seja, o receio de beliscar a economia global continua a paralisar-nos e essa continua a ser a prioridade da generalidade dos países. Por exemplo, ainda que nos últimos 30 anos o PIB chinês tenha aumentado 40 vezes, a ambição de crescimento contínuo e acelerado da China mantém-se firme e prioritária;
- O Pacto Climático de Glasgow é, sobretudo, uma declaração de intenções, na qual os países “enfatizam”, “encorajam”, “convidam”, “reafirmam” e “sublinham”, entre outros verbos e expressões “blá, blá, blá”, para citar Greta Thunberg. Nessa declaração final, fez-se um esforço enorme para evitar expressões enfáticas ou definitivas – por exemplo, “subsídios aos combustíveis fósseis” deu lugar a “subsídios ineficientes” e, no caso do carvão, “eliminação” deu lugar a “redução”;
- As contribuições voluntárias dos países ficam sujeitas às “diferentes circunstâncias nacionais”, o que abre a porta a revisões unilaterais dos compromissos assumidos a qualquer momento e por qualquer motivo;
- A maioria dos acordos setoriais celebrados deixa de fora países importantes, sem os quais nunca terão um impacte significativo – nomeadamente, EUA, China, Índia e Rússia. Por outro lado, os seus prazos são demasiado dilatados e não têm a força vinculativa dos tratados das Nações Unidas;
- Nem a declaração final, nem os acordos setoriais, preveem quaisquer mecanismos de monitorização da respetiva implementação, nem penalizações em caso de incumprimento. Ora, convém ter presente que não faltam exemplos de acordos internacionais importantes, assinados sob a égide das Nações Unidas, que pura e simplesmente não foram cumpridos pelos seus signatários – é o caso do Acordo de Aichi sobre a biodiversidade, celebrado em 2010 com horizonte de 2020;
- A abordagem continua a ser pouco holística e interseccional, isto é, não relacionando o tema da emergência climática com outras questões decisivas para se fazer a transição para um modelo de desenvolvimento sustentável – do uso dos recursos naturais e sistemas agroalimentares, às questões da igualdade de género e migrações, entre tantas outras;
- Por fim, Portugal merecia ter sido mais bem representado: não só o nosso primeiro-ministro faltou à Conferência de Líderes, ao contrário de tantos chefes de Estado de todo o mundo, como a participação do setor privado português foi demasiado discreta (com exceção talvez para a EDP).
Em conclusão, nas palavras de António Guterres, a COP26 “deu passos em frente que são bem-vindos”, mas o compromisso final é insuficiente e está cheio de “contradições” – e, sobretudo, como sublinhou Matos Fernandes, Ministro do Ambiente e da Ação Climática, “não saímos daqui com 1,5 ⁰C assegurados”. Para tal, seria necessária uma redução das emissões de cerca de 50%, até 2030 – e os compromissos assinados em Glasgow, a serem cumpridos, só as reduzem em 20%. Assim não vamos lá.
in Visão Verde