A maior ameaça ao nosso futuro e a nós próprios será sempre a bolha da realidade. Vive numa bolha quem toma a realidade por fatalidade e se deixa paralisar pelo medo, ou quem faz dos seus interesses pessoais e do jogo para os alcançar lema de vida.
Há meia dúzia de anos, conheci um astronauta americano quase com cem anos de idade, que tinha ido, na década de 1970, numa missão Apollo, à órbita lunar. No regresso à Terra, ao vê-la, frágil e luminosa, suspensa no universo, teve uma epifania: o nosso planeta precisa de um plano a 250 anos. E dedicou o resto da sua vida à construção de uma visão partilhada para a nossa casa comum – e a um plano para a alcançarmos.
Um horizonte tão longínquo pode parecer pouco prático, demasiado utópico, mas nada como termos uma visão clara de onde queremos chegar, para sabermos, em cada momento, se as decisões que tomamos contribuem para algo maior, mesmo que distante.
O que mais assusta no atual contexto político e económico é o excesso de imediatismo, o predomínio de interesses próprios, destituídos de futuro e de interesse coletivo. A capacidade de carga do planeta aproxima-se perigosamente dos seus limites, no entanto é o jogo palaciano que mobiliza e entretém quem tem o poder.
O que se passou na TAP é paradigmático. Portugal precisa de empresas bem geridas e de reduzir substancialmente as emissões de gases com efeito de estufa, e a TAP é importante em ambas as frentes. Porém, a decisão política parece seguir a seguinte ordem de prioridades: primeiro os meus interesses pessoais, depois os do partido e, finalmente, os do país (e do mundo).
Simone de Beauvoir conta que quando foi colega de Simone Weil na Sorbonne um dia se deparou com ela a chorar com um jornal pousado no colo. Ao lhe perguntar o que se passava, Weil terá mencionado uma notícia sobre as atrocidades do regime chinês. Desde então, Beauvoir passou a admirar esse «coração capaz de bater pelo universo inteiro».
Nada do que temos hoje é certo. Nos mais de 500 milhões de anos de vida na Terra, o polo Norte já teve temperaturas tropicais e Portugal já foi uma superfície gelada. Sem a estabilização, há cerca de dez mil anos, da temperatura terrestre, jamais teríamos tido as civilizações e o progresso assinaláveis de que hoje beneficiamos. Mas as civilizações nascem e morrem, são tão frágeis como a vida. Se a temperatura terrestre continuar a aumentar ao ritmo atual, poderá aumentar 4° C até ao final deste século. A ser assim, a Terra poderá só conseguir alimentar mil milhões de pessoas, ou seja, 1/8 da população atual.
O que está em causa é uma mudança de paradigma civilizacional, é assegurar que os nossos sistemas económicos e estilos de vida não comprometem irremediavelmente os equilíbrios e limites chave da biosfera de que o nosso futuro depende. Por isso, a reinvenção do modelo de desenvolvimento que herdámos da Revolução Industrial – ambiental e socialmente insustentável – devia ser o centro das ações política e económica. Mas, para isso, seriam necessários decisores astronautas, com corações capazes de bater pelo universo, que não estivessem reféns da bolha da sua realidade. Quando J. F. Kennedy apontou para a lua, mobilizou a energia e o imaginário coletivos, levando-nos a ultrapassar limites que julgávamos inultrapassáveis.
Os atuais compromissos internacionais, europeus e nacionais, com metas exigente de coesão social e sustentabilidade ambiental, a alcançar até 2030, estão neste momento em risco. Para os alcançarmos, a política e a economia teriam de servir a Humanidade, e quem tem poder de se focar muito menos no presente e nos seus interesses pessoais.
Meia dúzia de anos depois de todos os países se alinharem em torno dos 17 SDGs (Sustainable Development Goals) da Agenda 2030 das Nações Unidas, surgiram os 5 IDGs (Inner Development Goals). Os SDGs são de carácter coletivo, já os IDGs são de desenvolvimento pessoal. O maior desafio seremos sempre nós próprios. Sem empatia e deslumbramento pelos outros e pelo planeta, dificilmente seremos capazes de grandes proezas coletivas. Num dos seus versos, diz Eugenio Montale: “Nós os pobres a nossa parte da riqueza / é o cheiro dos limões.” Quem não sente os limões, não toma boas decisões. E se não percebes o que eu digo, não percebes o hip hop. Até um dia.
in Visão Verde